O que a saída do Twitch da Coreia do Sul nos ensina sobre a política de compartilhamento de custos?
No dia 5 de dezembro de 2023, o CEO do Twitch deu uma declaração curta e objetiva dizendo adeus à Coreia do Sul. O motivo? O excesso de custos atrelados à política de compartilhamento de custos, também conhecida como "fair share" ou "network fees", já em uso no país asiático.
O Twitch é uma das principais plataformas de transmissão ao vivo focada, sobretudo, em conteúdo relacionado a jogos, música, arte, culinária, etc. e tem mais de 140 milhões de usuários ativos mensais ao redor do mundo.
No Brasil, o Twitch foi responsável por lançar artistas e personalidades importantes à cena popular, como Casimiro, brasileiro com maior número de inscritos em seu canal. Dentre os feitos do fenômeno “Casimiro”, o streamer foi responsável por conseguir os direitos de transmitir partidas de futebol ao vivo e filmes inéditos como Homem-Aranha no Aranhaverso.
A saída do Twitch da Coreia do Sul ensina algo que pode se passar aqui no Brasil. Nós alertamos diversas vezes (aqui, aqui e aqui) que, se introduzido o compartilhamento de custos, irá diminuir a concorrência e reduzir mercados. Se tiver dúvidas sobre como funciona a política, explicamos melhor aqui.
Em comunicado, o Ministério da Ciência e da Tecnologia da Informação e Comunicações da Coreia do Sul assinalou que as taxas de uso de rede estão sob revisão como “um assunto abrangente que requer consideração do desenvolvimento sustentável da rede de Internet, da indústria de conteúdo e da conveniência do usuário”.
No Brasil, todos (exceto as grandes empresas de telecomunicações) especialistas são contra a introdução do compartilhamento de custos. Isso inclui diferentes atores do ecossistema.
No Brasil, o setor privado se organizou e lançou a Aliança pela Internet Aberta (AIA), que junto com Associação Latino-Americana de Internet (ALAI) manifestou-se preocupada com o debate sobre o compartilhamento de custos.
Como pondera Alessandro Molon, porta-voz da Aliança, o compartilhamento de custos traz prejuízos enormes. Comentando sobre o caso da Coreia do Sul, avisa que por lá "a qualidade dos serviços de internet diminuiu, em vez de melhorar. Foi o único país que adotou isso e a experiência deu errado”.
O Twitch não decidiu sair do país sem antes tentar de tudo. Por lá, o Twitch até reduziu a qualidade máxima da transmissão para 720p, oferecendo uma experiência para celulares com tela de 4K a qualidade máxima de vários anos atrás. Mas não foi suficiente, uma vez que na Coreia do Sul a internet custa 10x mais do que a média dos países.
Ao comparar os investimentos com o cenário brasileiro, Sérgio Garcia Alves, gerente de políticas públicas para o Brasil da ALAI, observa:
“A arquitetura de rede no Brasil é única, não encontramos desenhos como esse em nenhuma região. As empresas de conteúdos e aplicações investem muito em infraestrutura, data centers, CDN [servidores], estrutura de troca de tráfego e cabos. Isso garante a qualidade dos serviços que a gente percebe como usuários”.
O episódio do Twitch ilustra o impacto deletério que a política de compartilhamento de custos da internet pode ter nos países que a adotam. Os prejudicados acabam sendo os consumidores, os usuários, que perdem, gradativamente, a capacidade de desfrutar dos benefícios da internet livre e aberta e ficam com menos conteúdo, de qualidade mais limitada e mais caro.